sábado, 29 de novembro de 2008

Pons: o drama, a comédia ou a farsa do cinema brasileiro

Fazer um filme não é mais privilégio de projetos milionários. Levá-lo ao seu público ainda é. O Brasil hoje se orgulha da façanha de ter retomado a produção do seu cinema, mas não sabe o que fazer com seus filmes. Em termos de tecnologia, aprendemos com os americanos. Em termos de consumo interno dos nossos próprios filmes, parecemos um país de fundo de quintal.

Por Paulo Pons*
O que ainda não se decidiu é o que se quer para o nosso cinema, nem se esse “cinema retomado” quer dizer apenas filmes produzidos, já que em mercados mais organizados cinema quer dizer filmes realizados e distribuídos e exibidos. Antes de se estabelecer qualquer indústria, sabe-se que é imprescindível garantir sua infra-estrutura (no caso do cinema, salas de exibição) e mercado consumidor.

Não temos nada disso, de modo que não dá pra se dizer que existe no Brasil um cinema nacional se apenas os produtores, pré-remunerados por seus filmes de milhões financiados a fundo perdido, recebem os privilégios do seu mercado, enquanto a outra ponta, o público — que num país de incentivos fiscais é quem paga a conta — não vê o resultado do seu próprio mecenato. Eu mesmo sou um produtor e sei que se não mudarmos com urgência esse panorama de esbanjamento de recursos e fracassos de resultados, em muito pouco tempo não nos restará cinema nacional para fazer ou exibir.

Para que cheguemos a este fim trágico, basta que na renovação dos mecanismos de isenção da Lei do Audiovisual, programada para 2010, alguém veja em tudo isso uma farsa, e o processo não seja renovado. Ou que, em caso de manutenção dos mecanismos, as alterações urgentes e necessárias não sejam feitas, e tudo continue deste mal para pior.

Lemos muita gente protestando nos jornais sem apresentar, em contrapartida, propostas ou projetos de mudança. Não é, de fato, o nosso caso. Há poucos meses, provamos que é possível realizar um filme de qualidade técnica e artística com muito pouco dinheiro. Vingança, nosso primeiro longa-metragem, custou R$ 80 mil e foi exibido pela primeira vez já em competição em um dos principais eventos de cinema do país, o Festival de Gramado.

Sua segunda exibição pública aconteceu dois meses depois, na seleção oficial de outra grande competição, o Festival do Rio. Em ambas as disputas, concorremos de igual para igual com filmes de mais de R$ 3 milhões. A sonhada democratização do cinema nacional parecia ter finalmente se tornado uma realidade. E foi co m este espírito, misto de júbilo e fé no cinema nacional, que estreamos Vingança em circuito comercial na última sexta-feira, dia 21.

Mas, apenas quatro dias depois, na segunda-feira, foi decidida nossa retirada de nove das 12 salas em que estreamos. Nas três salas em que ainda sobrevivemos, nossa presença foi reduzida a uma ou duas sessões diárias, em horários parecidos com o do Unibanco Arteplex, único cinema em que permanecemos no Rio de Janeiro, na sessão das 13 horas.

Ou seja, se a realização de Vingança ajuda a vencer o paradigma do cinema milionário como único possível, a simples tentativa de colocá-lo à disposição do público através do circuito comercial brasileiro comprova a velha e perniciosa tese de que, para serem exibidos, alguns filmes precisam se tornar fenômenos de receita já nos três dias de sua estréia. Ou esses filmes “bombam” comercialmente, ou vão para o lixo, não importa seu valor cultural, seu potencial artístico ou de entretenimento, nem o cinema que eles representam para seu país.

No dia do lançamento de Vingança, O Globo e o Jornal do Brasil escreveram sobre o filme coisas como “um alento para o cinema brasileiro” e “suspense em estado puro”, e a revista Veja, que chegou às bancas no dia seguinte apontando Vingança como um dos dez melhores filmes em cartaz no momento, publicou: “Bem contada, a trama de mistérios escrita e dirigida pelo estreante gaúcho Paulo Pons merece encontrar seu público”.

Infelizmente, é o público quem não terá muitas chances de encontrar nosso filme nas salas de cinema. Se já foi difícil transformá-lo em “fenômeno de bilheteria” (exigência que se faz a filmes como o nosso, dirigido por um estreante desconhecido e protagonizado por atores idem) nos seus três dias de estréia, o que se esperar de Vingança em sessões das 13 horas, numa única sala de cinema no Rio e em outras duas em São Paulo?

O mercado pode não ver nisso uma tragédia, mas estatística, apenas. A despeito do que essa semana acontece com o nosso filme – e do que tem acontecido de similar com muitos outros, como se sabe – o número de produções iniciadas no Brasil cresce a cada ano, assim como seus custos. A média de orçamento de um longa-metragem brasileiro alcançou este ano o valor de R$ 2,5 milhões. O público se retrai, e o preço dos ingressos ainda cresce.

Na sexta-feira em que Vingança estreou, outros 13 filmes foram lançados no país. Não há salas para todos. Ao mesmo tempo, basta justapormos esses números ao índice de participação do público de cinema junto aos filmes nacionais, que no primeiro semestre de 2008 não chegava a 8% do total, para sabermos que a coisa toda não apenas vai mal, como seu destino é certo e, agora indiscutivelmente, trágico.

Um dos nove cinemas onde estreamos e nos quais não sobrevivemos à primeira semana foi o Ponto Cine, em Guadalupe, subúrbio do Rio. O Ponto Cine é mais que um cinema, é um projeto incrível de formação de público para filmes brasileiros. Lá se projetam exclusivamente longas-metragens nacionais ao preço de R$ 6 reais a inteira e R$ 3 a meia. No último sábado estivemos em Guadalupe e conversamos com uma platéia lotada após a sessão das 10 horas da manhã.

Vingança foi muito bem no Ponto Cine, mas o cinema de sala única tem um festival programado para a próxima semana. Ao deixarmos Guadalupe, depois de um maravilhoso debate com o público e uma conversa muito interessante com o Adaílton Medeiros, fundador do projeto, perguntávamos a nós mesmos por que não existem no Brasil outros 20, 50, 100 cinemas como o Ponto Cine, cobrando ingressos por aqueles valores e localizados em regiões como aquela (subúrbios de metrópoles ou cidades de pequeno e médio porte, hoje sem salas de exibição).

Esta é a mais evidente e rápida solução para todos os problemas do cinema brasileiro. Uma sala como a do Ponto Cine pode ser construída ao custo de, no limite máximo, R$ 500 mil. Foram realizados mais de 80 longas-metragens brasileiros este ano, ao custo médio de, como já foi dito, R$ 2,5 milhões. O suficiente para se construir cinco pontocines. Dez filmes brasileiros médios, igual a 50 salas de cinema para filmes brasileiros. Não é demais sonhar sobre números tão realistas.

No Arteplex, nossa experiência foi oposta. É verdade que adoramos aquelas instalações e, da mesma forma como passamos agora a admirar o espírito empreendedor e a inteligência do Adaílton, já admirávamos as mesmas qualidades no Adhemar Oliveira, fundador do Arteplex. O complexo de cinema montado por Adhemar há dois anos e meio em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, tem seis salas de cinema que oferecem os melhores suportes técnicos e de conforto para se exibir ou assistir a um filme.

Foi lá que ficamos orgulhosos de vermos o cartaz de Vingança ao lado de filmes como Vicky Cristina Barcelona, do Woody Allen, e 007 — Quantum Of Solace, do Marc Foster, exibidos em outras salas. Agora, daí a acreditar que Vingança iria se tornar, em apenas três dias de um fim de semana de feriado e com essa concorrência, o fenômeno necessário para permanecer com seus horários intocados, isso sim seria demais.

Talvez, ainda na semana anterior ao lançamento de Vingança, devêssemos ter feito um grande apelo público para que as pessoas fossem assistir ao nosso filme no seu primeiro fim de semana, como fez Murilo Salles com seu Nome Próprio. Agora é tarde para súplicas e, principalmente, para reclamações. Estamos deixando o circuito — ou, em tempo, estamos sendo deixados pelo circuito exibidor brasileiro.

O que podemos dizer a nós mesmos e, no caso desse texto, aos outros, é: lembremos dos que até há pouco tempo diziam que não era possível realizar um longa-metragem de qualidade técnica e artística com menos de alguns milhões de reais. Lembremos também que alguns ainda dizem isto, apesar de Vingança estar aí (mesmo que apenas em três salas e em horários desfavoráveis) para quem quiser ver e acreditar nesta nova verdade.

Sobre termos conseguido a façanha de realizar nosso filme como queríamos e, por outro lado, termos sido implacavelmente rejeitados pelo mercado exibidor, lembremos ainda que: se podemos mover uma montanha, podemos mover todas, cada uma a seu tempo. Realizar um filme é acreditar que um sonho pode se tornar realidade — e que, tornando-se real, faz muitos outros sonharem com a gente.

Queremos público, e para isso precisamos, com urgência, de mais salas de exibição, 50, 100, 200 salas para filmes brasileiros. Ainda há tempo, nenhum de nós pretende desistir do cinema brasileiro.

* Paulo Pons é roteirista, produtor e diretor do recém-lançado Vingança

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