sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Jandira, Obama e o movimento estudantil

Enfim uma excelente notícia para o movimento estudantil do Rio de Janeiro. O novo prefeito do PMDB, Eduardo Paes, nomeou Jandira Feghali, do PCdoB, sua adversária no primeiro turno, secretária de Cultura do município. É uma pasta extremamente importante não apenas pela tradição do Rio em produção cultural, mas porque possui relativa independência em relação ao poder central e, o mais importante, movimenta um bom volume de recursos financeiros, o que permitirá à Jandira realizar políticas culturais que poderão realmente fazer diferença.

Jandira terá que lidar com um grande abacaxi: dar um destino ao elefante branco construído por César Maia, a faraônica obra Cidade da Música, que ainda tem contratos não pagos, e cujo orçamento, inicialmente estimado em pouco mais de R$ 30 milhões, já consumiu mais de R$ 500 milhões.

O aspecto positivo para a juventude e o movimento estudantil é que o movimento estudantil organizado, a UNE e UEE, cujos dirigentes também são quadros comunistas, têm um excelente trânsito junto à Jandira, de maneira que a pasta de Cultura, pela primeira vez em muitos anos, quiçá pela primeira vez em sua história, ficará nas mãos da esquerda.

Naturalmente, será um enorme desafio para Jandira, mas não podemos esquecer que a conjuntura política será bastante favorável, visto que a nova gestão municipal inscreve-se num quadro de estreita aliança com as instâncias estadual e federal.

Por outro lado, a nomeação de Jandira também constitui um movimento significativo no tabuleiro político fluminense, um gesto inteligente e generoso do novo prefeito, Eduardo Paes, para conquistar a confiança da esquerda. Recém-convertido à centro-esquerda, Paes fez o caminho contrário de seu oponente no último pleito, Fernando Gabeira, que deslocou-se à direita e aliou-se ao PSDB e ao DEM de César Maia. Em virtude de seu amplo leque de alianças, esperava-se que Paes fosse faturar com facilidade a prefeitura. Não foi assim. Inflado pela preferência explícita da midia e transformado em ícone da rebeldia juvenil, Gabeira chegou ao segundo turno e, durante os primeiros dias de campanha do segundo turno, ultrapassou Paes nas pesquisas.

Conforme explicou o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, a esquerda carioca ficou encurralada num primeiro momento, porque Paes ainda carregava o estigma conservador, de parlamentar tucano, verdugo anti-lulista e midiático de CPI. Mas o candidato, forçado pelo risco da derrota, optou pelo que fosse talvez a única forma de ganhar as eleições. Em vez de aproximar-se de Crivella, e apelar para o lado mais populista (e conservador) da política estadual, Paes acenou para a esquerda politizada, à esquerda real. E a esquerda veio, exigindo, é claro, contrapartidas, como agendas progressistas para a saúde, educação e cultura.

Para a saúde, Eduardo Paes, embora não tenha aceito integralmente o programa de Jandira Feghali, de longe o mais completo dentre os candidatos, nomeeou para a pasta uma autoridade de grande prestígio e idoneidade, o médico cardiologista Hans Fernando Dohmann, que seguramente representa um avanço extraordinário em relação à política desastrosa de César Maia (DEM), que havia entregue a pasta ao PSDB, a Ronaldo Cézar Coelho, um banqueiro sem qualquer vivência na área da saúde, que levou o setor ao mais tenebroso caos.

Mas é a nomeação de Jandira Feghali para a pasta de Cultura o gesto mais claro de vontade política de Eduardo Paes de fazer aliança com a esquerda carioca e integrar-se verdadeiramente ao conjunto de forças reunidas em torno da figura simbólica do presidente Lula.

Jandira assume o governo num momento especial. Até agora, a esquerda, mesmo assumindo o poder em quase todos os países da América Latina, era considerada, pelas elites e mídias corporativas, uma espécie de epidemia ideológica passageira. Descontando o fato de que a "epidemia" em breve completará uma década, o continente acaba de vivenciar uma reviravolta geopolítica. O único ponto de apoio dos conservadores radicais que ainda infestam a política latino-americana, encastelados sobretudo na mídia corporativa, acaba de ser eliminado. A direita americana, quem diria, foi vencida por um negro. Um senador negro com histórico de atuação mais à esquerda do Congresso tornou-se presidente dos Estados Unidos da América. Os conservadores brasileiros - e de toda América Latina - vivem um pesadelo. Imaginem o que pensam os colunistas e apresentadores de tv da Bolívia e Venezuela, que chamavam Evo Morales e Chávez de "macacos". Agora terão que dizer o mesmo de Barack Hussein Obama.

É neste novo e emocionante ambiente geopolítico que devemos pensar e agir a partir de agora. A vitória de Obama deverá, aos poucos, contaminar ideologicamente o mundo inteiro, e o Rio não escapará dessa onda. Sempre é importante lembrar que a vitória de Obama só foi possível por causa do apoio maciço que obteve junto à juventude. Os movimentos estudantis norte-americanos alinharam-se integralmente à campanha do negro filho de imigrantes africanos.

Então chegamos ao movimento estudantil nacional. A UNE hoje está fortalecida, com mais recursos e, em breve, terá uma sede de primeiro mundo no Rio de Janeiro. É claro que isso representará um grande impulso à politização estudantil. Parte do desinteressse dos jovens pela política estudantil pode ser explicado pela precarização e abandono a que as instituições do segmento foram relegadas pela ditadura e depois pelos governos neoliberais. Vendo que suas instituições hoje são respeitadas e têm mais recursos, os jovens sentir-se-ão novamente atraídos e, com isso, esperamos inverter a tendência atual à alienação política que predomina entre a juventude. Essa tendência tem sido abertamente incentivada pela mídia, que nunca mostra jovens politizados em séries e novelas, e quando os mostra é num contexto negativo, caricatural ou passadista. Somente em filmes de época, os jovens vêem seus iguais pensando e agindo politicamente. Glamourizou-se a futilidade, que adquiriu inclusive veleidades de inteligência. Jovens conversam seriamente sobre desenhos e seriados infanto-juventis, como antes discutiam sobre cultura e política. E ainda tem o mais grave: esporadicamente, como se fosse "ativados" por força invisível, esses mesmos jovens, assumidamente anti-políticos, tornam-se ferozes militantes políticos! E quem ativa esse jovens? Quem pressiona-lhes o misterioso botão que lhes transforma subitamente em militantes furiosos que se alinham, não coicidentemente, às mesmas causas defendidas pela grande mídia? Ora, a própria mídia! Como isso acontece?

Bem, não sei bem como isso acontece, mas sabemos como libertar a consciência política do jovem, deixando que ele pense com sua própria cabeça e não conforme um artigo de Arnaldo Jabor. Política é como arte: aprende-se fazendo, participando, trabalhando. O jovem deve participar da política usando o talento que possui: na música, na poesia, na oratória, na dança, no teatro, no cinema. Glauber Rocha fez Deus e Diabo na Terra do Sul com 23 anos, o que mostra o potencial artístico, revolucionário, intelectual, que todo jovem possui, e que muitas vezes é mutilado ou atrofiado pela falta de treino.

A fortalecimento da União Nacional dos Estudantes já é uma realidade. O próximo passo é a consolidação das Uniões estaduais. Com esse objetivo, de revigorar a si mesma, ao movimento estudantil, e ajudar na reconstrução do pensamento político junto à juventude, a União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro (UEE/RJ) está organizando a Bienal de Artes, Ciência e Cultura, a ser realizada nos dias 20 a 23 de novembro deste ano. Estamos recebemos mostras de arte e ciência e organizando shows, festas, apresentações, conferências e debates. As inscrições para as mostras e outras informações sobre a programação estão no blog da Bienal (http://www.bienalueerj.blogspot.com/). Convidamos todos, mesmo os que não são estudantes e não moram no Rio de Janeiro, a visitarem nosso blog, onde poderão assistir vídeos e ler textos sobre a Bienal e sobre o movimento estudantil, além de acompanhar a intensa vida cultural da cidade maravilhosa.


Por Miguel do Rosário, 33, jornalista, editor do blog da Bienal de Artes, Ciência e Cultura do Rio de Janeiro (bienalueerj.blogspot.com), e resposável pelo blog OleodoDiabo.blogspot.com.

Nenhum comentário: