"Quero é botar meu bloco na rua/ brincar/botar pra gemer"
Lá se foi o Carnaval. Momento em que o barulho pôde passar das 22:00h. Momento da permissão das incoerências, das loucuras, da liberdade de expressão. Momento de festa, de alegria,da exacerbação, do tambor. Parece que todos, com algumas grandes exceções, esquecem dos seus afazeres, dos seus temores e problemas...Ufa! Que bom! O Carnaval é o ópio do povo. Não falo sobre os que não gostam, estes estão em clima de normalidade – ficar assim é fácil, o difícil é se entregar a folia!. Falo por aqueles que se fantasiam, que saem em blocos enlouquecidos, que bebem,bebem...que dançam, dançam...Aqueles que sangram os pés pela sua escola, que aguentam o calor e o peso das alegorias, que querem fazer parte do enredo. Falo daqueles que estão mais vulneráveis. Falo dos irreverentes, dos sem pudor. Falo dos atores dessas estórias.
Em várias partes do nosso Brasil, as pessoas simbolizam o momento da carne, ou seja: o momento da dança, da música, da atuação, do suor, do movimento,da pouca roupa,da entrega, da vontade... para concretizar os desejos da alma, ou seja: o momento da imaginação, da paixão, da liberdade,da criatividade humana. Falo aqui, em especial, sobre o carnaval do Rio de Janeiro. Este município de belezas naturais, de belezas humanas, de prédios, de favelas... Falo de seus blocos, de seu sambódromo de agora vinte e cinco anos. Falo do teatro aberto ao povo. Veja os cenários, os figurinos, os atores, os diretores, os músicos, os malabaristas, os palhaços, os dançarinos!
Sim. O povo gosta de imaginar. O samba, o batuque afro...As máscaras... O povo sai de polvo, de rei, de pobre, de polícia, de personagens de desenho animado...homem sai de mulher e vice-versa. Ateu sai de padre e cristão sai de diabo. Olho para o lado e sempre tem alguém que não é este alguém: faz-se de outro.. Pessoas paqueram-se, pessoas comem-se com olhos de tubarão – como diz a música: “bota camisinha meu amor...”
Deste modo, observando bem o cotidiano especial, as ruas não são ruas: são palcos, onde blocos seguem em coro. O que cantam?como dançam os foliões? Como estão? Qual estória contam? Ou será história? Brigam,sorriem, embriagam-se, esquecem-se...? Quem é a platéia? Serão “ atores sem papel”? Boitatá, Bola preta, Escravos do Mauá, Carmelitas ... e tantos outros: são peças do nosso teatro popular. Como diz o grupo Tá Na Rua:“ Teatro sem literatura”.
E o sambódromo arquitetado pelo nosso querido Oscar Niemeyer? E a Getúlio Vargas até a Prefeitura sem movimento de carros? O que aconteceu? “ Mas éééé car/na/val...” os carros são alegóricos, simbolizam algo. O que simbolizam os carros que passam todos os dias pelo Centro do Rio? Será que sabemos? Quem os construiu? O lugar agora não é de agitação, e sim, da Concentração. Porém, será que não estão ansiosas as crianças, as mulheres,os jovens,as putas,os pobres, os desempregados,os empregados, os ricos, as estrelas pop, os velhos,... para entrar na Avenida do Samba? Ali teremos várias horas de arte, as pessoas de diferentes classes assistirão a diversos espetáculos. Repito: Quem disse que o povo não gosta de teatro? Novamente parafraseando o grupo Tá Na Rua “é teatro sem arquitetura”. O que é então a passarela do samba? Arquitetura? O que ela representa? Quem frequenta este teatro? Quanto custa? E os camarins? Só que é lindo o desfile! Vejo a arte. Quem fez as alegorias, os carros, quem ensaiou a bateria, pensou a harmonia, dirigiu a comissão de frente? E as coreografias? Os enredos serão reflexão festiva?
Vila Isabel encena o Teatro Municipal. A comissão- de-frente representa personagens da Comedia Dell'arte... Não será metalinguagem? O teatro falando do teatro. A arte falando da Arte. E que chegue a quarta-feira de cinzas, para representar a fragilidade da vida humana! O homem é mortal. Vira cinza. Assim como o carnaval. Como diz o nosso grande dramaturgo do teatro brasileiro,Domingos Oliveira: “ O teatro tem o tamanho da vida”. Pelo visto, o carnaval também.
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